Simbora falar sobre brega funk?

Projeto Mímesis
6 min readMar 5, 2020

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A história do ritmo que domina o Recife há pelo menos uma década.

No fim da década de 1980 até o início dos anos 2000, o Funk do Recife desabrochava, e, com isso, a ascensão dos bailes nas periferias da capital também. Usando como referência, por exemplo, os primeiros sons de DJ Marlboro (pioneiro do Funk carioca), surgiram os primeiros Mestres de Cerimônia aqui no Recife. Os bailes se tornaram a vitrine principal para os MCs locais, tendo a oportunidade de falar através de suas músicas, a realidade da qual viviam. Desta forma, nos bailes, o público sempre se dividia em grupos, pois cada um representava um bairro oposto, trazendo consigo uma rivalidade que perdurou até os anos 2000.

Os MCs entendiam que a violência entre os grupos eram uma ameaça ao futuro do Funk do Recife. Com isso, Mc Leozinho do Recife fez sua primeira música, que viria ser um clássico do Funk do Recife. Leozinho queria que sua música pudesse representar todos os grupos, independente de rivalidade e de bairro oposto. Portanto, assim, a música Rap da Cyclone veio a se tornar um dos grandes sucessos do MC, que logo fez outro hit com uma pegada Funk consciente, um exemplo disso é Cenário Louco, dito por muitos como Diário de um Detento do Recife.

Porém, ainda havia uma crescente violência nos bailes, por consequência disso, os MCs ficaram fora do circuito das casas de shows, que infelizmente traziam consigo a imagem violenta dos bailes. Diante dessa circunstância, em meados dos anos 2000 o Brega romântico começou a ter sua ascensão, trazendo consigo toda a estética dos teclados e sua sonoridade lenta, teve como maior representante Reginaldo Rossi, aclamado pelo público como “Rei do Brega”.

Com o fim que estaria por vim do cenário do Funk do Recife, e a dificuldade de se manter nos circuitos de shows, muitos MCs viram no Brega a oportunidade de se manterem na ativa e atingirem um público mais amplo. O pioneiro a fazer isso foi MC Leozinho, que começou na pegada lenta, mas logo quis trazer um pouco de suas origens e do ritmo que embalava o início de sua carreira, lançou a música DNA em parceria com o DJ Serginho, que para muitos é a música pioneira do Brega Funk, pois foi nessa música que inseriram o beat, lembrando a batida do Funk. Essa junção de ritmos se tornou o que hoje conhecemos como Brega Funk, que é a combinação da instrumentação do Brega e as viradas de tamborzão conjuntamente com o ritmo mais acelerado do Funk. Mas o que a princípio era a junção do Funk, com música romântica, foi tomando outra forma, o ritmo foi se tornando mais frenético, com a batida mais acelerada e outras misturas e influências.

Como rolou a ascensão desse ritmo que hoje é conhecido nacionalmente?

Entre 2011 e 2015 o Brega Funk teve sua maturação no meio musical, através de videoclipes que esbanjava em sua estética: carrões, bebidas importadas, relógios e outros aspectos da ostentação que chamava a atenção do público. Sendo assim, muitos ambulantes começaram a vender CDs piratas pelas periferias do Recife com os seus carrinhos de som. Independente de sua classe social, bairro e afins, você sabia um Brega, pois era praticamente impossível circular no Recife e não ouvir no fundo um Brega tocando a cada esquina. Desse modo, o ritmo foi crescendo não só na capital pernambucana, mas também nacionalmente. Em 2013, os MCs Shevchenko e Elloco foram convidados a ir ao programa Esquenta de Regina Casé e, logo depois, o Brega Funk foi citado no Fantástico como uma “variação do Funk carioca”. Era fato, o Brega Funk já estava dominando o Brasil. Com a ascensão do ritmo, o estilo de ostentação (que aqui no Recife chamamos de estilo escamoso), foi crescendo para conseguir competir com o Funk no mercado musical. Um hit dessa nova fase foi a música Novinha, tá querendo o que?, de Metal e Cego que ditou moda e popularizou a expressão novinha em Pernambuco. No cenário atual a voz do Brega Funk é da dupla de MC’s Shevchenko e Elloco, com hits estourados nacionalmente dentre eles Tomo na Pepeka e Chapuletei, que viraram videoclipe no canal Kondzilla (o maior canal do Youtube no Brasil).

“O meu corpo tá mexendo sozinho’’

O estilo escamoso não foi a única coisa explorada pelos MCs, exploraram também a “sensualidade”, trazendo consigo letras destinadas a trazer coreografias e passinhos, um exemplo emblemático é: O meu corpo tá mexendo sozinho, do cantor Sheldon. A proposta dessa nova pegada era pensar na música não só se voltando ao beat, mas sim como seria as pessoas dançando. Isso foi o pontapé inicial para aquilo que conhecemos hoje como “passinhos dos maloka” que se tornou um movimento quase que independente, capaz até de viralizar músicas. Um exemplo disso é a música Barulho da Kikada, dos MCs Niago e Seltinho; a música viralizou ao ganhar coreografia do grupo Magnatas do Passinho S.A. Sendo assim, só fortaleceu a ideia inicial: criar os sons, tendo em mente os movimentos corporais.

O brega funk como movimento cultural

O Brega Funk foi mudando ao decorrer do tempo, sua frequência, seu ritmo e estilo. Não era mais só aquela soma mecânica de dois ritmos, e sim um emaranhado de representatividade de outras cenas e ritmos periféricos do Nordeste. Um exemplo disso é a música Balança, Balança, do MC Troia, que é marcada pelo suingue do arrocha. É notório sua mutação e variedade com diversas influências: o Brega Funk deixou de ser um ritmo para se tornar um movimento cultural. É ainda mais perceptível quando observamos toda a junção de motivos sociais, econômicos e estéticos claros na história do seu surgimento. O Brega Funk é uma celebração popular, como o samba, o Frevo e o Maracatu eram em sua origem e passa pelos mesmos problemas que esses ritmos passaram.

Cultura Higienista?

Ainda que domine a Internet e movimente o setor econômico criativo de Pernambuco, só em 2017 entrou em vigor a Lei n° 16.044/2017, que inclui o Brega como uma “expressão cultural legítima de Pernambuco”, ao lado do Maracatu, Frevo, Forró, Mangue beat e entre outros. Só há 3 anos atrás que o Estado deu “atenção” devida ao ritmo que embala o Nordeste. Mesmo com a lei, o Estado continua deixando de lado o Brega que, querendo ou não, é a identidade de boa parte da população. Reginaldo Rossi, ao cantar uma música do artista americano Frank Sinatra, indagou “Isto não é Brega?”. A letra da música acompanhada com um arranjo bem lento se assemelha ao Brega, Reginaldo, em uma de suas entrevistas, indagou que o amor da composição interpretada na música de Frank Sinatra é tão Brega quanto as suas composições, se jogarmos ao português, e como ele mesmo disse uma vez “ é Brega porque é cantado em português, em francês e em inglês não é?”. Nota-se que sempre houve uma visão limitada e preconceituosa em relação ao Brega, e o Brega Funk não fica para trás, visto que tem sofrido os mesmos preconceitos que muitos ritmos sofreram no início, assim, é notório que haja uma visão folclórica e higienista do que viria a ser cultura popular. É evidente que o Brega Funk divide opiniões, tendo, por um lado, elogios em relação à incorporar a real diversidade cultural do Estado, do outro, um emaranhado de críticas elitistas e também sempre associando-o à violência. Legitimado por lei ou não, o Brega Funk é a real diversidade cultural de Pernambuco com seu estilo próprio, resiste como trilha sonora das periferias do Recife e vive em constante metamorfose há pelo menos uma década.

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